Especialistas defendem mais subsídios na produção orgânica

QUA. 29 AGO

O processo de transição para produção de alimentos mais sustentável no Brasil, do ponto de vista ambiental, econômico e social, depende de subsídios do governo federal para que se estabeça diante do modelo convencional da monocultura e produção em larga escala com concentração de terra e utilização de agrotóxicos.

Essa transição, chamada de agroecológica, está prevista na Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), instituída por decreto federal em 2012. A política não só deixa de utilizar agrotóxicos, mas privilegia a conservação ambiental, a biodiversidade, os ciclos biológicos e a qualidade de vida dos produtores e dos consumidores.

A Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), do governo federal, oferece uma linha de crédito de investimento para agroecologia, o Pronaf Agroecologia, concedida a agricultores familiares que apresentarem projeto técnico para sistemas de produção de base agroecológica. No entanto, o agricultor tem que devolver o valor em até dez anos com encargos financeiros de 2,5% ao ano.

Agroecologia
O coordenador-geral de Agroecologia e Produção Sustentável da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), Marco Pavarino, considera o Pronaf Agroecologia como o crédito rural mais barato que existe atualmente e pode ser quitado em até dez anos.

“[O percentual de] 2,5% é quase juros negativo se a gente for computar a inflação e ele tem um período de até três anos de carência [para começar a pagar]”, disse Pavarino, informando que outras políticas são importantes para expansão da produção mais sustentável de alimentos, como a oferta de assistência técnica aos agricultores que é feita pela Sead.

A engenheira agrônoma e especialista do Greenpeace em Agricultura e Alimentação, Marina Lacôrte, destacou a importância de se implantar um modelo de produção de alimentos que sobreviva no longo prazo “urgentemente”, defendendo também que haja incentivos fiscais e econômicos para que a transição agroecológica aconteça no país.

Para Marina Lacôrte, o modelo convencional - de monocultivo e uso de agrotóxicos - não se sustentará. “Além de um problema de saúde da população, a gente tem um problema de insegurança alimentar, porque à medida que [o atual modelo de produção] esgota e degrada os recursos que ele vai precisar lá na frente para produzir, isso nos gera essa insegurança”, avaliou.

Marco Pavarino ressaltou que a produção orgânica exige também a utilização de tecnologia para controle de pragas, capacitação de agentes de assistência técnica e organização de cadeias produtivas, que ainda não estão tão estruturadas como no agronegócio.

“Hoje é muito fácil produzir e comercializar soja ou carne, o que não acontece com alguns produtos orgânicos”, afirmou Pavarino, defendendo mais investimentos específicos para a produção orgânica. “Poderíamos fazer muito mais se tivéssemos mais recursos, mas com os recursos que temos, conseguimos impactos bastante significativos”.

Sem-terra
Das 400 mil famílias assentadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), aproximadamente 60 mil produzem no modelo agroecológico. As demais 340 mil famílias se encaixam na chamada transição agroecológica, no sistema tradicional, que não usa técnicas da agroecologia nem utiliza agrotóxicos, inclusive de forma residual, até no modelo de agricultura convencional.

Luiz Zarref, um dos coordenadores do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, defendeu uma nova política de subsídio do governo. Segundo ele, o “grande gargalo” é o financiamento.

“Para se fazer o que chamamos de transição agroecológica, que é essa mudança do sistema convencional para o sistema agroecológico, normalmente se tem uma queda de produção nos dois, três primeiros anos. Então não faz nenhum sentido que, para se fazer essa transição, o agricultor tenha que recorrer a um crédito bancário porque ele não dá conta de pagar”, disse.

Orgânicos e Agrotóxicos
O projeto de lei (PL) 4576/2015, que trata da comercialização de alimentos orgânicos, aguarda parecer na Comissão de Defesa do Consumidor para seguir em tramitação na Câmara. A proposta em discussão tem posição contrária tanto do Ministério da Agricultura, como de representantes do setor da agricultura orgânica, em situação oposta à polêmica do PL 6299/02, que trata do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no país, com defensores na Câmara e críticas de especialistas e entidades.

O texto do PL 4576/16 prevê que a venda direta de produtos orgânicos do produtor ao consumidor poderá ser feita apenas por agricultor familiar integrante de organização de controle social cadastrada nos órgãos fiscalizadores.

O Ministério da Agricultura (Mapa) se posicionou contra o PL 4576 e recomendou que não fosse dado prosseguimento à proposta por considerar que prejudica o desenvolvimento da atividade da cadeia produtiva de orgânicos. Em nota técnica, o Mapa concluiu que “além de não contribuir com o que já está regulamentado, [o PL] restringe a comercialização a milhares de pequenos agricultores, ou mesmo feirantes, uma parcela importante da cadeia produtiva”.

Críticas
Vice-presidente da região Centro-Oeste da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Rogério Dias, disse que o objetivo do projeto era aumentar a segurança para o consumidor, no entanto, não foi redigido de maneira correta e gerou polêmica.

“Se você pega a lei [nº 10831/03, que dispõe sobre agricultura orgânica], o decreto [6323/07] e a instrução normativa que complementa a regulamentação, os meios já estão dados para fazer o controle e a segurança. O que precisa é ter como executar isso de uma forma eficiente, então precisa ter mais fiscais, uma ação maior, mais trabalhos de orientação aos consumidores e comerciantes. Não é mudando a legislação que vai melhorar essa questão”, disse Rogério Dias.

Como foi escrito, o projeto de lei define que apenas o agricultor familiar cadastrado pode realizar venda direta, quando a venda é feita para alguém que não vai revender. “Ele proibiu que os outros agricultores, que são orgânicos e cumprem a legislação possam fazer venda direta. Isso é absurdo. Qualquer produtor que seja orgânico e que tenha a certificação [pode fazer venda direta atualmente]", acrescentou.

Dias afirmou que nem todo produtor orgânico é cadastrado como agricultor familiar. Para conseguir certificação de agricultura familiar pelo governo federal – a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAF) –, é preciso cumprir alguns requisitos. Ele cita, por exemplo, o caso de aposentados que são agricultores, mas não podem ser incluídos na certificação porque tem uma outra renda, fora a da produção agrícola.

O PL 4576/2016, além de limitar a venda direta a apenas agricultores familiares, restringe também os locais de comercialização, que deverá ser feita somente “em propriedade particular ou em feiras livres ou permanentes, instaladas em espaços públicos”. O novo texto, segundo Dias, prejudicaria também a venda dos orgânicos pelo agricultor familiar para órgãos públicos.

“Como o governo compra para doar para pessoas que estão em situação de insegurança alimentar ou compra para botar na merenda escolar, então é venda direta”, disse Rogério Dias. “Mas, pelo novo projeto, não poderia mais fazer, porque ele diz que [a venda] só pode ser em feira”, acrescentou, avaliando que são limitações que não trazem vantagens e só causarão problemas à comercialização.

Polêmica
Sobre o projeto de lei 6299/02, chamado de PL do Agrotóxico, que flexibiliza o uso dos produtos no país, a autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia de 2017, a professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Mies Bombardi, afirmou que o projeto está na contramão das decisões recentes dos países europeus.

“O Brasil está retrocedendo porque a União Europeia tem sido cada vez mais restritiva e acabou de banir alguns inseticidas em função da mortandade de abelhas. Todo o arcabouço, digamos, de produtos proibidos lá, muitas vezes, é em razão da saúde humana justamente porque causam câncer ou malformação, todos esses agravos à saúde que são muito sérios. E a gente está afrouxando [a legislação]”, disse Larissa Bombardi.

No final de junho, o PL foi aprovado em uma comissão especial da Câmara, mas ainda tem que ser apreciado pelo plenário da Casa para virar lei. A professora alertou sobre as ameaças apontadas no atlas.

“Trinta por cento dos [agrotóxicos] que usamos no Brasil são proibidos na União Europeia. As quantidades também são exorbitantes. Com relação a quantidades, vale a pena mencionar que permitimos um limite de resíduo de agrotóxico nos alimentos e na água que são infinitamente superiores aos limites permitidos na União Europeia. Com um agravante que, no Brasil, a gente não tem fiscalização. Não tem fiscalização de resíduo de agrotóxico.”


Fonte: Agência Brasil

 

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