O Sistema Financeiro Nacional (SFN) está preparado para enfrentar as incertezas relativas aos desdobramentos da pandemia de covid-19, mas o cenário dos riscos ainda é de cautela em razão dos efeitos que o prolongamento da crise pode gerar na economia das famílias. A avaliação é do Banco Central (BC), em seu Relatório de Estabilidade Financeira, referente ao segundo semestre de 2020, que foi divulgado nesta terça-feira (27).
“Ao longo de 2020, o SFN alcançou o maior valor histórico de provisões para ativos problemáticos, melhorou a capitalização e manteve liquidez confortável”, informou o BC. “O risco de crédito arrefeceu, mas o cenário requer cautela diante da incerteza quanto ao prolongamento e aos desdobramentos da pandemia sobre a renda e o emprego”, completou.
De acordo com o órgão, ao longo do segundo semestre de 2020, os programas emergenciais geraram “relevante crescimento” do crédito para as micro, pequenas e médias empresas, enquanto o estoque de crédito a grandes empresas ficou estável. Dos 11,9% de crescimento do crédito bancário a empresas no semestre, cerca de 80% deveram-se aos programas governamentais.
O relatório aponta ainda que a situação econômico-financeira das empresas melhorou de forma desigual. Para o conjunto de todas as empresas, o fluxo de recebimentos melhorou, mas as restrições sanitárias ainda impactam negativamente setores como lazer e transportes, percepção que pode mudar dada a incerteza sobre a pandemia.
Segundo o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Souza, diferentemente do que aconteceu no ano passado, hoje, o sistema financeiro tem ferramentas disponíveis para serem utilizadas em caso do agravamento da segunda onda de casos de covid-19. Além disso, o cenário econômico mundial e doméstico mudou.
“Os níveis de crescimento quando se pega China e Estados Unidos, por exemplo, são surpreendentes. Os números aqui mostram que, apesar de toda a dificuldade advinda da segunda onda, têm várias empresas que se adaptaram a essa realidade, inclusive ampliando seu fluxo financeiro. Estamos preocupados, mas a nossa visão, por hora, é que o sistema financeiro tem plenas condições de atender a demanda por parte das empresas”, disse, durante evento virtual para comentar os dados do relatório.
No caso do crédito às pessoas físicas, ele voltou a crescer no ritmo anterior ao da pandemia. A redução nas taxas e os novos índices de correção ofertados aos clientes impulsionaram as concessões do crédito imobiliário, especialmente com recursos de poupança. Até o momento, segundo o BC, o risco oriundo das famílias está mitigado pelas provisões adequadas de recursos na carteira de crédito.
Teste de estresse
Os resultados dos testes de estresse continuam demonstrando a redução dos efeitos da pandemia no sistema financeiro e apresentou o melhor resultado desde a primeira vez em que foi publicado, em abril de 2020. “A recuperação da atividade econômica no segundo semestre de 2020, assim como a melhora no capital, arrefeceram os efeitos da pandemia no sistema financeiro. Os resultados continuam corroborando a capacidade de o sistema absorver choques, sem desenquadramentos relevantes”, explicou o banco.
No início da crise no ano passado, o BC estimou em R$ 400 bilhões a necessidade de provisões adicionais por parte do sistema e um aporte de R$ 70 bilhões na simulação que considerou um choque severo da pandemia. “Hoje, considerando as novas métricas incorporadas, como os choques em relação às pessoas físicas mais vulneráveis, houve redução bastante significativa na necessidade de provisão [de R$ 128 bilhões]. O impacto para um enquadramento de todo o sistema financeiro seria algo na faixa de R$ 1,5 bilhão”, explicou Souza.
No teste de estresse, o BC simula o quanto uma situação de severa inadimplência e de corrida aos bancos impacta o cumprimento dos limites regulatórios mínimos pelas instituições financeiras e quanto a autoridade monetária precisaria aportar ao sistema financeiro. Entre esses limites estão a manutenção de uma reserva em caixa para garantir que os bancos paguem todos os clientes que forem sacar dinheiro em momentos de crise. São testados também os riscos de crédito, juros, câmbio e desvalorização de imóveis.
O BC considerou dois cenários, o primeiro de queda na atividade econômica, inflação e taxas de juros, em caso de uma terceira onda significativa; e o segundo cenário de uma crise de confiança pelo agravamento da situação fiscal. “Os bancos estão preparados para absorver cada um dos choques dos dois cenários”, destacou o diretor do BC.
O órgão informou ainda que a rentabilidade dos bancos diminuiu com a crise sanitária, em cerca de 26%, mas não representa risco para a estabilidade financeira. “A pandemia inverteu a sequência de recuperação da rentabilidade que ocorria desde a recessão de 2015-2016. A expectativa para 2021 é de melhora. Mantida a perspectiva de recuperação, as despesas com provisões tendem a ser menores, e as receitas de serviço, a se recuperar”, avaliou o órgão.
Risco climático
O Banco Central também apresentou um estudo sobre os riscos climáticos. Os pesquisadores do BC e acadêmicos analisaram os principais eventos climáticos, como enchentes e secas, entre 1994 e 2017, e indicam que as flutuações de curto prazo no clima teriam baixo impacto sobre os bancos. Mas mudanças climáticas duradouras, poderiam gerar impactos relevantes para o setor bancário, reduzindo a oferta de crédito e aumentando a inadimplência.
Segundo o BC, os bancos acabaram reduzindo a exposição de crédito nas áreas mais vulneráveis a esse tipo de evento climático. O crédito bancário aos setores verdes é menor do que o crédito aos setores de alto impacto, mas essa participação relativa está aumentando desde 2011.
“O resultado do estudo mostra que os bancos e a própria economia como um todo já se antecipam a esses problemas e percebem que rapidamente se ajustam para enfrentar esse tipo de eventos”, disse Paulo Souza. Segundo ele, os incidentes envolvendo risco climático nos últimos anos se acentuaram em diversas localidades, uma questão que é tratada no Brasil há muito tempo em relação ao risco socioambiental. “Inclusive, hoje o Brasil lidera, em fóruns internacionais, a discussão sobre melhores práticas de supervisão, a gente já tem o mapeamento em termos de políticas muito precisos”, completou.
O diretor explica que, nos próximos dois anos, o Brasil terá um detalhamento muito mais preciso desses riscos, em função do novo documento de coleta de dados que deve ser lançado nesse semestre. Ontem (26), o BC também colocou em consulta pública uma proposta normativa que estabelece regras para a divulgação de informações sobre riscos sociais, ambientais e climáticos pelas instituições financeiras.
Além do estudo sobre impacto climático, o Relatório de Estabilidade Financeira tratou de outros dois temas em boxes especiais: o programa de aprimoramento da resiliência cibernética do SFN e do Sistema de Pagamentos Brasileiro; e os mecanismos de segurança do Pix, o sistema instantâneo de pagamento do BC. O BC também faz avaliações sobre o sistema financeiro internacional e as infraestruturas do mercado financeiro e apresenta o resultado da pesquisa de estabilidade financeira.
Agência Brasil