Às portas da terceira década do século 21, uma nova revolução - chamada por muitos especialistas de '4.0' - na economia e nas relações de trabalho está em curso. Este novo capitalismo é capitaneado pelas startups, negócios disruptivos, com base na criatividade, inovação e tecnologia, que tem moldado o ecossistema empreendedor do Brasil e do mundo. A nova geração de empresas se destaca pela escalabilidade, ou seja, a capacidade de ampliar a produção em pouco tempo e sem custos adicionais no negócio. De acordo com dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), estas novas empresas crescem a um ritmo de dois dígitos por mês, empregam como nunca e valem bilhões de reais - só as cinco maiores companhias nacionais dessa nova economia (Nubank, 99, Stone, PagSeguro e Movile) estão avaliadas em cerca de R$ 90 bilhões. No jargão empresarial, estas startups são chamadas de unicórnio, empresas que alcançaram a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado. E já existem as decacórnios, startups que ultrapassam a marca de US$ 10 bilhões.
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), Amure Pinho, uma das estratégias de sucesso dessas empresas é atuar em lacunas deixadas pela velha economia. Ou seja, encontrar as melhores soluções para resolver os problemas que a população enfrenta no cotidiano. E para dar mais suporte e sustentabilidade aos novos negócios surgiram as comunidades de startups. Já são 30 no Brasil, com destaque para Santa Catarina, onde se localiza a StartupSC, em Florianópolis. O estado do Sul do Brasil já recebeu, inclusive, o apelido de ‘Vale do Silício’ brasileiro, em referência à região dos Estados Unidos que concentra os principais players mundiais de tecnologia, como Apple e Google.
O potencial do ecossistema de startups é pujante e contraria o quadro de crise que ainda abala o Brasil, desde 2015. Um bom exemplo da robustez do setor é o Softbank, que anunciou um investimento da ordem de US$ 5 bilhões para a América Latina, através do Innovation Fund. O trio de executivos André Maciel, Shu Nyatta e Paulo Passoni será responsável pela gestão do fundo criado para a região. Eles vão responder ao boliviano Marcelo Claure, diretor executivo de operações do Sofbank Group Corp. e CEO do Softbank Group International.
A startup colombiana Rappi, que já fincou a sua bandeira no Brasil, foi umas das primeiras a receber aportes generosos do grupo do Softbank, na ordem de R$ 1 bilhão. Foi o maior investimento já visto em um negócio inovador na América Latina. Até então, só o brasileiro IFood havia conseguido um aporte robusto: uma rodada de meio bilhão de dólares. Além do SoftBank, outros investidores já aplicaram recursos em serviços inovadores de delivery, como, por exemplo, os fundos DST Global (investiu na fintech brasileira Nubank e em gigantes como Spotify e Stripe), a Sequoia Capital (Airbnb, Decolar, Google, Instagram, LinkedIn, Nubank e WhatsApp) ou a Andreessen Horowitz (Airbnb, Buzzfeed, Facebook, Instagram, Lyft e Pinterest). Otimista, Masayoshi Son, presidente do conselho e CEO do SoftBank, chegou a afirmar recentemente que a América Latina tem potencial para se tornar uma das regiões econômicas mais importantes do mundo nas próximas décadas.
Comunidades amadurecem ecossistemas de startups
Criadas com o objetivo de fomentar o ecossistema de startups, as comunidades contribuíram sobremaneira para o amadurecimento destas empresas inovadoras e disruptivas. De acordo com a StartupBase, estas comunidades reúnem empreendedores da mesma região que se unem para compartilhar aprendizados, ajudando a desenvolver o ecossistema local. Na região Nordeste, todas as capitais contam uma comunidade de startups. Com características de metrópole, Fortaleza, Recife e Salvador se destacam na região, com as comunidades ‘Rapadura Valley’, ‘Manguezal’ e All Saints Bay’, respectivamente. Juntas, eles já congregam cerca de 540 startups, sendo 198 em Salvador, 183 em Recife e 159 em Fortaleza (dados da Abstartups). A região ainda conta com as seguintes comunidades: Jerimum Valley (Natal, 58 startups); SoLuíses (São Luís, 40); Cajuína Valley (Teresina, 55); Comunidade João Pessoa (João Pessoa, 66); Caju Valley (Aracajú, 15); Sururu Valley (Maceió, 39); Comunidade Campina Grande (Campina Grande/PB, 20); e Comunidade Juazeiro do Norte (Juazeiro do Norte/CE, 3).
Fundada em 2011 por um grupo de empreendedores, a comunidade Jerimum Valley tem como missão desenvolver sustentavelmente o ecossistema de startups nacional com o objetivo de transformar o Brasil em uma das cinco maiores potências globais de inovação e empreendedorismo tecnológico. "Troca de experiências, conexões com excelentes profissionais do Brasil e exterior, incentivos financeiros para ir em eventos e cursos, boas parcerias, propostas de trabalho, sociedades e investimentos. Tudo isso só foi possível para mim porque existiam pessoas, instituições de fomento, empresas, atores dispostos a trabalhar, muitas vezes sem ganhar nada (em dinheiro), para mudar realidades, que acreditam no enorme potencial de transformação através do empreendedorismo. Quando o ecossistema tem a cultura de ajudar e devolver (Give First e Give Back), as coisas acontecem, e eu tive o privilégio de sentir esse poder!", conceitua Monnaliza Medeiros, 20 anos, diretora de marketing da startup ‘Outgo’ e líder da Comunidade Jerimum Valley.
Membro da Associação Brasileira de Startup, Ana Flávia Carrilo diz acreditar que o ambiente em torno destas comunidades evoluiu muito. “Quando falamos de conexões entre startups, vivemos uma fase de muitas oportunidades. São inúmeros coworkings, hubs de inovação, parques tecnológicos e uma agenda com diversos eventos envolvidos para dar suporte e oferecer o ambiente ideal para o desenvolvimento de novas startups e amadurecimento de modelos de negócios já existentes. Coisa que não existia alguns anos atrás”, afirma.
Ela diz ainda que este mercado tem muito a evoluir, apesar dos avanços: "em menos de uma década, já avançamos muito. Estamos sempre em busca de novos desafios, somos movidos por novos problemas em busca de soluções. Então apesar de todas as conquistas que devem ser comemoradas, ainda há muito a se fazer". Educação (edutechs), agronegócio (agrotechs), finanças (fintechs), internet, propaganda, comunicação, comércio eletrônico e saúde e bem-estar são alguns setores que mais se destacam no ecossistema de startups. Também há um número expressivo destas novas empresas do ‘capitalismo 4.0’ nos setores de logística e mobilidade urbana, entretenimento, eventos e turismo.
Nordeste se destaca cada vez mais no ecossistema
Segundo dados da StartupBase, base de dados da Abstartups, o Brasil conta com 12,5 mil startups espalhadas por 56 comunidades, como se chamam os ecossistemas criados para dar sustentabilidade às empresas com este novo modelo de negócio. São quase 10 mil empreendedores impactados em 568 cidades do país. Na região Nordeste, Fortaleza, Recife e Salvador se destacam. Mas, Natal e João Pessoa já se aproximam destas metrópoles mais avançadas. De acordo com dados da Abstartups, o Nordeste já conta com 629 negócios inovadores, atuando em diversos segmentos, sendo a segunda maior região do país no ranking, atrás apenas do Sudeste, com 4.692. O Ceará concentra 167 empresas desse setor e está entre os 10 estados do Brasil com mais startups funcionando.
Em Recife, 73% das startups locais nasceram de 2014 para cá, uma prova de que o mercado de startups amadureceu muito rápido. A conclusão é da aceleradora Liga Ventures. A maioria se concentra no Porto Digital, espécie de ‘Vale do Silício’ pernambucano. “O conceito de startup começou a ganhar força no Brasil em 2012. Em 2014 e 2015, quando o brasileiro começou a ver o empreendedorismo como uma oportunidade de negócio, a ideia de resolver problemas com tecnologia e inovação já estava no nosso dia a dia”, explicou o head da área de insights e estudos de mercado da Liga Ventures, Raphael Augusto.
O ecossistema pernambucano de inovação ainda não está satisfeito com o seu volume de negócios inovadores. Segundo o Porto Digital e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco (Secti-PE), o plano é continuar incentivando a criação de startups. “Os players desse mercado querem atrair novos negócios. A expansão será a segunda fase de evolução do ecossistema pernambucano”, contou Raphael. Amure Pinho, da ABStartups, profetiza: “a expectativa é que o movimento de startups, no Brasil, continue forte, com destaque em finanças, alimentos e saúde - setores que são puxados pelo consumo interno”.