Estudo da empresa de pesquisa de mercado Euromonitor International estima para o setor da cachaça no Brasil, este ano, queda de 21,7% em volume total, incluindo vendas em supermercados, bares e restaurantes, em função da pandemia do novo coronavírus. Antes da crise, o setor previa expansão de 1,5%.
Falando nesta terça-feira (7) à Agência Brasil, o diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), Carlos Lima, admitiu que o cenário pode ser ainda pior, uma vez que o estudo do Euromonitor projetava uma quarentena de dois meses e meio, para uma queda do Produto Interno Bruto (PIB, que é a soma dos bens e serviços produzidos no país) em torno de 5%. Mas a pandemia já está se estendendo por quase quatro meses, sem ainda definição para um retorno à normalidade, e os economistas indicam para o PIB retração superior a 9%. “A gente acha que pode ter um cenário ainda mais pessimista”, concordou Lima.
Outras empresas de pesquisa de mercado colocam que o consumo de bebidas alcoólicas no mundo deve cair cerca de 12% em 2020 e que uma retomada aos patamares anteriores só acontecerá em 2024. “É para mostrar quanto o segmento de bebidas alcoólicas mundialmente vem sendo impactado pela questão da pandemia, da covid”, disse o diretor executivo do Ibrac.
Para enfrentar a pandemia, as empresas do setor nacional de cachaça têm adotado diferentes estratégias para continuar produzindo durante a pandemia. “Dependendo do estado e do porte de empresa, foram estratégias diferentes”, disse Lima. O Ibrac teve casos de empresas do setor que paralisaram suas atividades. Estudo feito pela entidade estima que mais de 65% das empresas tiveram redução superior a 50% das vendas. “Tudo depende do porte da empresa, do canal que a empresa tinha como seu principal canal de vendas. Por exemplo, empresas que focavam muito a venda em bares e restaurantes, com o fechamento desses empreendimentos as vendas praticamente acabaram e tiveram que focar em outros pontos de venda, como supermercados e atacadistas”.
Lei seca
Segundo Carlos Lima, o setor da cachaça acabou sendo impactado por outro movimento, que foi a Lei Seca, implantada em alguns estados e municípios, proibindo a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas no período de pandemia. “Isso também afetou as empresas”. Lima destacou que não houve uma “receita de bolo” para as empresas enfrentarem a crise. E muitas não superaram.
Lima vê também com preocupação a possibilidade de crescimento do mercado ilegal de bebidas com a aplicação da Lei Seca, como ocorreu no México, no último mês de maio, onde mais de 100 pessoas morreram ao ingerirem produtos clandestinos, sem controle e contaminados. Lembrou que além dos prejuízos à saúde, o mercado clandestino traz outros problemas, como a evasão fiscal, ou seja, a perda de arrecadação de impostos pelo governo. De acordo com estudo sobre o Mercado Ilegal de Bebidas Alcoólicas, elaborado pela Euromonitor International e divulgado pelo Ibrac no ano passado, em 2017, o Brasil deixou de arrecadar R$ 10 bilhões com o mercado ilegal.
MPMEs
O setor é formado, em sua maioria, por micro, pequenas e médias empresas. Muitas delas não trabalhavam com o comércio eletrônico e tiveram que se estruturar para fazer vendas pela internet. “Tem sido um trabalho de reinvenção do setor para conseguir sobreviver, assim como os demais setores, nesse momento de pandemia. Cada empresa seguiu um caminho diferente para tentar se reinventar nesse momento”.
O setor da cachaça respondia pela geração de 600 mil empregos diretos e indiretos. O número de postos de trabalho caiu, entretanto, durante a pandemia da covid-19, admitiu Carlos Lima. O Ibrac, entretanto, ainda não tem estimativa de quanto a pandemia afetou o setor, na área do emprego. Com a crise, várias empresas foram obrigadas a demitir funcionários, outras fizeram redução de jornada e, consequentemente, de salários, para tentar atravessar a crise. Muitas pequenas e médias empresas ficaram na expectativa do apoio do governo federal por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). “Muitas empresas buscando linhas de financiamento e de crédito através do Pronampe para poderem sobreviver e manter um mínimo de estruturas básicas”.
São 951 produtores de cachaça e 611 de aguardente registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, distribuídos em 835 municípios, segundo o estudo A Cachaça no Brasil - Dados de Registro de Cachaças e Aguardentes, lançado no ano passado pelo ministério.
Volta ao consumo
O diretor executivo do Ibrac analisou que a flexibilização das atividades econômicas que está ocorrendo em alguns municípios e estados, com a reabertura de bares e restaurantes, não significa uma volta à normalidade para os fabricantes brasileiros de cachaça. “Não quer dizer, necessariamente, que você vai ter uma volta do consumo nesses pontos de venda. Eu acho que a reabertura de bares e restaurantes ainda é um início que precisa ser observado como isso vai acontecer”. Para Carlos Lima, será um trabalho gradual de reconquistar consumidores. Ele diz acreditar que existe um desafio de retomada de confiança e de construção de confiança em vários setores, neste momento da pandemia. “Acho que vai ser um trabalho longo que a gente vai ter pela frente”.
Lima salientou que outro grande desafio está atrelado à reforma tributária, que o governo federal quer aprovar neste segundo semestre. O tema é caro para o segmento de bebidas alcoólicas e, em especial, para os setores da cachaça e de destilados, que temem aumento da tributação, além das dificuldades geradas pela pandemia. Carlos Lima informou que o segmento da cachaça tem cerca de 70% do valor das vendas em impostos diretos, como PIS/Cofins, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Considerando impostos diretos e indiretos, o peso para o setor alcança 82%.
O diretor executivo do Ibrac afirmou que um dos caminhos para as empresas agora é investir nas vendas digitais. Ressaltou, porém, que o mundo digital, “nem de longe, vai chegar ao volume de vendas que supermercados, bares e restaurantes representam para o setor da cachaça”. Somente bares e restaurantes representam 70% das vendas da bebida.
O setor da cachaça possui 7% de participação do mercado brasileiro de bebidas alcoólicas, em volume, enquanto a cerveja, primeira colocada, detém 87%. A cachaça representa mais de 72% do mercado de destilados.
Agência Brasil