Uma das poucas comunidades de Natal situadas em um morro, na zona Leste da capital, o bairro de Mãe Luiza ainda carrega desacertadamente alguns estigmas negativos que permeiam um misto de pobreza, violência, medo e preconceitos. No entanto, o bairro, famoso pelo seu farol, dunas, ladeira e escadaria, é muito além disso, tanto do ponto de vista social quanto cultural e também empreendedor. E busca mostrar ser possível transformar a realidade do local via empreendedorismo e dar novas perspectivas para a gente que vive no lugar.
Por isso, Mãe Luiza foi escolhido pelo Sebrae no Rio Grande do Norte para receber a primeira edição do Projeto Comunidade Empreendedora, que oferece uma série de capacitações e incubação remotas voltadas para jovens em idade entre 18 e 39 anos. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo site www.brasilmaisempreendedor.com.br/.
A ação faz parte do programa Brasil Mais Empreendedor, que foi criado para capacitar jovens que vivem em situação de vulnerabilidade social no país. Na verdade, trata-se de um pacto de cooperação no qual o Sebrae está envolvido para auxiliar as pessoas que precisam abrir um negócio para ter renda própria e também os pequenos e microempreendedores que enfrentam dificuldades para manter o negócio com as portas abertas e de forma lucrativa. O objetivo é impactar mais de 100 mil jovens brasileiros até o fim do ano.
Devido à pandemia da Covid-19, as capacitações do projeto Comunidade Empreendedora serão todas online e vão ajudar os jovens a criar e manter um negócio, com poucos recursos. A capacitação é dividida em 11 etapas que abordam finanças, comunicação online e offline, gestão de pessoas, entre outros. A iniciativa também conta com dicas e guias práticos para auxiliar a sobreviver às adversidades econômicas. Em Mãe Luiza, será uma semana de aulas virtuais, que vão de segunda-feira (19) a sexta-feira (23), das 14h às 17h, através do site www.brasilmaisempreendedor.com.br, e mais três meses de incubação remota para os participantes.
“Pretendemos estimular o empreendedorismo entre jovens que residem em bairros periféricos, em comunidades do Rio Grande do Norte e apoiá-los no processo de modelagem de negócio, na construção de novos empreendimentos e estimulá-los para pensarem em produtos e serviços necessários à comunidade que ainda não são ofertados”, explica a gestora do projeto Negócios Inovadores de Impacto Socioambiental do Sebrae-RN, Mona Paula Nóbrega.
Segundo Mona Paula, a ideia é fazer com que de fato aconteça a criação de negócios capazes de solucionar problemas da comunidade e gerar renda dentro da própria localidade, e para a comunidade. “Queremos que esses empreendedores possam ter condições de tirar seus negócios do papel e empreender de fato, com todo o apoio necessário, sobretudo a juventude”, exolica. O projeto Comunidade Empreendedora conta também com a parceria da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Natal, a CDL Jovem e o Fórum de Negócios do Rio Grande do Norte.
Da rua à cidade
A iniciativa de estimular e apoiar a juventude dessas comunidades periféricas a ter o seu próprio negócio promove um impacto muito significativo, principalmente quando falta uma ação mais efetiva do poder público, e traz melhorias coletivas para quem vive no lugar. Transforma mentalidades em prol do bem comum.
Foi exatamente o que ocorreu com Victor Pereira, que ainda adolescente, aos 16 anos, decidiu levar internet via rádio para a vizinhança de uma das principais ruas de Mãe Luiza, a João XXIII. Como já era aficcionado em redes e internet e atuava nessa área em empresas de amigos, pensou que poderia estender essa experiência para outros moradores. Em 2013, o jovem com uma visão empreendedora decidiu montar um provedor de internet, a VP Internet. “Montei uma pequena rede no quintal da minha casa para atender aos vizinhos por um valor simbólico”, lembra Victor.
A ideia deu tão certo que, em 2017, a internet via rádio do provedor já cobria 95% do bairro, que dois anos depois estava completamente cabeado com fibra ótica, o primeiro da zona Leste da cidade, que concentra os bairros mais nobres e tradicionais de Natal, com essa moderna tecnologia. Tanto que a empresa expandiu a atuação e levou o serviço aos bairros de Areia Preta, Petrópolis, Morro Branco e agora está cobrindo também Nova Descoberta.
“Vejo no empreendedorismo uma porta do sucesso para a nossa comunidade. Há diversas áreas que podem ser exploradas, inclusive o turismo. Há muitas pessoas que conheço com ideias, mas não sabem como colocar em prática. Falta, além do capital, a capacitação”, diz Victor Pereira. Hoje, aos 24 anos, o empreendedor emprega dez funcionários.
Apoio para crescer
Além de perceber uma oportunidade e correr em busca do sonho de ter a própria empresa, Victor Pereira contou com o suporte do Sebrae para profissionalizar a gestão do negócio e atingir mercados antes jamais imaginados além das fronteiras do bairro. “Comecei do zero. Vi uma oportunidade e procurei fazer. Você sempre vai escutar um ‘não vai dar certo’, mas é preciso meter a cara, porque só depende de você dar certo ou não”, aconselha.
O exemplo dele prova que capacitação e apoio, como os que o projeto Comunidade Empreendedora está ofertando, podem levar jovens criativos e engajados com os problemas que afligem a comunidade, a concretizar sonhos e também a melhorar a qualidade de vida das pessoas com quem divide o mesmo espaço territorial.
Não é a primeira vez que o Sebrae lança olhar para o bairro de Mãe Luiza. Atenta ao potencial empreendedor do local, a instituição promoveu, em 2015, o curso ‘Como Administrar Melhor um Pequeno Negócio’, com metodologia de capacitação em massa com foco no desenvolvimento de características do comportamento empreendedor. Realizado na Arena do Morro, o curso durou uma semana, estimulando o participante a utilizar a gestão como pilar essencial para desenvolvimento e sustentabilidade dos negócios. E revelou talentos como o de Victor Pereira, que é apenas um entre centenas que estão encobertos e ofuscados pelo cotidiano das ruas, vielas, ladeiras e escadarias do lugar por onde transitam e moram cerca de 15 mil pessoas.
Agência Sebrae