Conversando com amigos que têm filhos em idade escolar, descobri como as aulas à distância evidenciaram as fraquezas do modelo tradicional de ensino. Ao menor sinal do professor na tela, a criança bocejava, perguntava se a aula ia demorar e arrumava qualquer desculpa para antecipar a hora do recreio. Curioso é que quando o pai ou a mãe empresta o celular para assistir a um desses vídeos com milhões de visualizações o cenário muda, e é difícil tomar de volta da criança o telefone. Na pandemia, o Youtube virou concorrente direto da escola e foi no site que muito aluno aprendeu nos últimos meses lições boas ou ruins – a qualidade do conteúdo depende do influenciador digital que seu filho segue.
Em muitos lares, no modelo tradicional de educação o professor perdeu a guerra da audiência para nomes como Luccas Neto, Maria Clara & JP, entre outros ícones da linguagem interativa e atraente da internet. Eu também teria preferido os canais que admiro no Youtube a um professor com poucos recursos de edição e de didática online. Se até as novas tecnologias vêm procurando humanizar as máquinas, não entendo por que em geral as escolas insistem em robotizar os alunos, inclusive nas turmas presenciais.
Essa é a consequência de um método de absorção passiva de conteúdo em sala de aula, que ignora nuances e diferentes jeitos de ser das pessoas. Encoraja estudar para passar na prova, sem que isso seja sinônimo de aprendizado técnico e emocional. Esperar o conteúdo em vez de correr atrás dele. Um modelo pensado para a sociedade europeia do século XVIII, quando nem a lâmpada havia sido inventada. Que coloca o professor como único detentor do saber, promove a hierarquia, cria distâncias e ao enquadrar o aluno em moldes enfraquece o livre pensar. Ao despejar fórmulas, a escola tradicional deixa de incentivar a construção conjunta do conhecimento.
Empreendedorismo e a necessidade de errar bastante para tirar nota 10
O Google mostra que ninguém sabe tudo. Professor hoje deveria estar mais próximo da figura de um mediador, um facilitador de acessos e trocas. A própria “cola” perde um pouco de seu caráter clandestino, quando nos tornamos uma sociedade de atitudes e conhecimentos compartilhados. Os empreendedores não resolvem tudo sozinhos, primeiro porque nenhum deles reúne todos os talentos do mundo e, segundo, porque na velocidade que as coisas acontecem agora não existe tempo suficiente para você solucionar 100% dos pepinos do seu business de maneira solitária.
Ir mal na prova perde um pouco do sentido quando a primeira coisa que um CEO de startup diz é que errar importa. Que é melhor errar rápido para corrigir problemas do que evitar o erro sem ter testado a sua ideia. Em alguns países, o empreendedor que mais errou é celebrado por sua experiência de aprendizado com os erros, enquanto no modelo tradicional de ensino errar é feio; ou, se for para errar, melhor nem tentar.
A velha escola aprende com a nova escola
Existe uma questão no relacionamento entre startups e grandes corporações que sempre me deixou intrigado: a diferença cultural entre esses dois tipos de empresa pode mandar qualquer tentativa de gerar negócios lucrativos para o espaço. Em pleno século XXI, o novo modelo, a nova forma de pensar e de trabalhar das startups pode tornar incompatível a aproximação. As reuniões não acontecem direito, os times se desentendem, as expectativas se frustram e o negócio acaba.
O tema é tão sério que antes de mergulhar no mundo das startups existem grandes corporações que distribuem cartilhas e capacitam seus colaboradores para se familiarizar com a nova realidade. Imagine o prejuízo que um modelo dissonante de educação pode causar para os futuros profissionais, que encontrarão um mercado de trabalho com demandas diferentes.
Dentro do modelo tradicional de ensino, sempre fui extremamente dedicado a estudar os assuntos que amava, como biologia. Mas por não me dar tão bem nas outras matérias, nunca fui julgado como aluno exemplar. Minha impressão é que os professores não entendiam o que se passava na minha cabeça e cobravam dos alunos de forma padronizada, sem entender as particularidades de cada um. Um pensamento contrário ao do empreendedorismo, em que a gente precisa usar nossas particularidades para ganhar impulso e superar adversidades.
Foi fora da escola, aliás, que descobri códigos, softwares e Programação; comecei a me aprofundar no tema fazendo muita pesquisa online e, depois, montando o meu próprio negócio para ajudar pessoas e empresas a construírem os sites delas. Hoje tenho cinco sócios. Em todo esse processo, percebi que o modelo tradicional de ensino, que induz o estudante a replicar conhecimento, precisa se tornar um modelo que o incentiva a questionar padrões, criar conhecimento e transformar a sociedade.
Crianças com livros, serrote e vassoura nas mãos
Na escola, precisamos ir além da física, química, biologia e outras matérias tradicionais. Por que não oferecer disciplinas eletivas? O próprio estudante como protagonista de sua formação. Penso em conhecimentos que permitam ganhar autonomia e sair do modo automatizado, treinando desde inteligência emocional a habilidades técnicas. Aulas sobre como gerir melhor o próprio dinheiro, aprendizado de questões jurídicas do dia a dia, lições sobre como não depender de outras empresas e criar a sua própria para vencer o desemprego. Há inúmeras possibilidades.
Certa vez, li um artigo sobre crianças de menos de 10 anos que aprendiam a manusear serrote em aulas de marcenaria na Nova Zelândia. No Japão, alunos que auxiliavam a limpar a escola e a servir merenda, criando responsabilidades pelo bem comum, consciência coletiva e de proteção do patrimônio. No Brasil talvez esses fossem motivos para os pais pedirem a interdição da escola. No fim das contas, são estratégias para criar cidadãos com mais autonomia, iniciativa e capacidade criativa. Sair do senso comum. Menos robôs e mais humanos.
Por Hugo Alvarenga, sócio-fundador da b8one, laboratório de soluções digitais especializado em e-commerce