“A inovação digital não é um processo criativo. É um processo técnico”

SEX. 04 JAN

Autor do livro Inove ou Morra, Luiz Guimarães é multiempreendedor e estudioso de inovação e tendências de mercado. Criador da estratégia Reengenharia Digital, ajuda empresas tradicionais a digitalizarem seu negócio e prosperarem no mercado digital. Segundo ele, isso é essencial e urgente para garantir a sobrevivência dessas empresas no futuro. Em um cenário de busca pela inovação onde se observa o surgimento de muitas startups, o empresário tradicional precisa garantir seu “lugar ao sol” e não se deixar engolir pelo novo mercado. Isso se constitui um grande desafio que, para Luiz Guimarães, pode ter solução mais rápida do que se imagina. A ferramenta para isso, segundo ele, seria a Reengenharia Digital, que ele vai descrever, em linhas gerais, nesta entrevista.


O que é inovação para você?

Particularmente, eu não costumo ver inovação como algo revestido de uma aura mágica. Naturalmente existem as grandes e surpreendentes inovações que são de conhecimento de todos. Mas inovar, para mim, é fazer algo diferente, atualizado, não necessariamente algo que seja taxado de novidade, porque o conceito de novidade é relativo. As pessoas são diferentes e possuem percepções diferentes. O que é novidade para um, não necessariamente será novidade para outro. Se eu tenho algo e vejo que esse algo precisa ser feito de forma diferente, atualizada, então é preciso fazer uma inovação, mesmo que essa inovação não seja vista como novidade para alguns, como funcionários, clientes ou o mercado. Gosto também do conceito que diz que inovar é criar o futuro e, para mim, isso deve ser feito focando no presente da forma menos arriscada, mais segura possível. O presente cria o futuro e fazer o presente de forma mais técnica, direta, com identificação correta e clara do que se almeja resolver aumenta as chances desse futuro se tornar realidade. 


A percepção geral é de que vivemos um momento de “apelo digital” do tipo “quanto mais tecnologia melhor”. Como você enxerga o cenário atual, do ponto de vista dessa revolução digital, se é que podemos chamar assim?

De fato, a gente vive um momento de apelo digital, mas esse apelo digital é das pessoas e não da tecnologia. A tecnologia gerou um apelo digital nas pessoas, à medida em que ela permeou nossa vida de forma íntima, transparente, criando em nós novos hábitos. Passamos a ser mais imediatistas, a ter mais acesso à informação, a realizar mais trocas, a absorver novos métodos de estudo, de comunicação. Essa nova expectativa é exatamente o apelo digital. E não é apenas inserindo tecnologia em um determinado contexto que eu consigo atender a essa demanda.  A revolução digital precisa ter a função de atender as pessoas, como elas esperam, seu comportamento, seus hábitos, seu modo de vida. É aplicar tecnologia para atender a esse novo consumidor digital.


O senso comum associa automaticamente inovação a criatividade. Como desassociar uma coisa da outra? Que nova concepção é essa que parece simplificar e tornar acessível algo que até então parecia ser privilégio intelectual de alguns?

Essa pergunta é interessante e, ao mesmo tempo, não é tão fácil de se responder. Isso porque ela envolve dois termos difíceis de serem definidos, que são inovação e criatividade. Desde muito tempo acredita-se que criatividade era uma questão de intuição, uma questão particular do ser humano. O que os novos algoritmos de inteligência artificial têm mostrado é que talvez criatividade não seja exatamente isso e, mais ainda, talvez ela possa ser expressa através de um raciocínio lógico e matemático. Por exemplo: Quando nos deparamos com situações em que um computador consegue jogar e ganhar de um campeão mundial em um jogo que exige muita criatividade e intuição, como o Go, chegando a realizar jogadas inéditas, nunca utilizadas por qualquer jogador humano (segundo os próprios jogadores); quando nos deparamos com textos escritos por computadores e que não se consegue distinguir se o autor foi um humano ou uma máquina; ou quando computadores desenham obras de arte que não se distinguem daquelas produzidas por artistas humanos; quando olhamos esses fatos, ficamos em dúvida sobre a questão da intuição e aleatoriedade da criatividade. Aí começamos a questionar sobre o que seria criatividade, sobre como aplicar criatividade, sobre como ser criativo. Voltando ao ponto, desassociar um pouco a necessidade de criatividade da inovação é interessante, pois tira um peso sobre o ato de inovar, porque se criatividade for uma habilidade humana e, sendo assim, nem todo mundo consegue desenvolver, eu restrinjo o campo da inovação para somente os criativos, o que é ruim. Então, começando a fazer essa desassociação eu começo a condicionar inovação a preceitos racionais, lógicos, sistêmicos, a partir de ações como: definir claramente o que precisa ser feito, qual o objetivo específico da inovação e quais princípios devem ser seguidos até que se alcance o objetivo. Nós sugerimos, então, que a inovação digital dos negócios pode ser feita de forma sistêmica, à medida em que se identifica claramente qual é o problema que a empresa precisa resolver (ou seja, “o que” ser digital) e em qual domínio ela deve atuar (qual área, qual especificidade técnica), quais áreas empresariais, ferramentas de gestão e tecnologias deve aplicar para conseguir fazer o “como” ser digital. A Reengenharia Digital defende modelos e princípios que mostram que uma empresa pode ser muito inovadora, ser digital, sem precisar depender de intuições.


Em que momento aconteceu esse insight acerca do papel de empresas tradicionais no processo de inovação? Em um momento em que o mundo se volta para as startups, como surgiu esse olhar inclusivo voltado para o empresário comum?

Eu não diria que foi bem um “insight”; foi mais uma experiência pessoal. Eu tinha (e ainda tenho) negócios tradicionais, inclusive uma empresa de Tecnologia da Informação. Quando percebemos que uma de nossas empresas não conseguiria durar a ponto de completar vinte anos de idade (na época a empresa tinha doze anos), isso ligou uma sirene, um alerta muito grande mostrando que a gente precisava fazer alguma coisa; era necessário acordar. O processo natural foi começar a agir como startup. Passamos a tentar pensar como startup, agir como startup e esbarramos em inúmeras dificuldades, tendo que redirecionar o foco. Foi então que, compartilhando essa experiência com outras pessoas, parceiros, clientes e empresários amigos, percebemos que muitos deles também passavam pela mesma situação que nós. Foi então que veio a seguinte reflexão: as empresas tradicionais são cerca de 99,8% das empresas do mundo e elas precisam inovar, não necessariamente sendo startups. Mudamos o foco e encontramos um caminho mais prático e acessível.


Seu trabalho traz como proposta uma expressão intrigante: Reengenharia Digital. Reengenharia nos remete a processos, a lógica, matemática, sistematização. Digital nos remete a tecnologia, novos mercados, novos recursos. Como você explica essa relação entre o “pé no chão” da engenharia e os “voos” da era digital?

Pois é, ele tem essa pegada mesmo: é uma pegada do sistêmico, da lógica, do processo e uma pegada da tecnologia. Reengenharia é um termo da década de 90, do passado, e Digital é um termo do presente e do futuro. Mas a grande questão é que ao estudar sobre o assunto, descobri que isso que estamos passando não é exclusividade do agora; isso já aconteceu antes. Nós estamos passando pela terceira revolução digital. A segunda revolução, que teve seu ápice na década de 90, teve um impacto profundo na sociedade: a internet, o computador pessoal, itens sem os quais é impossível imaginar a vida hoje. Para as empresas daquela época também foi grande o impacto, pois surgiram as redes de computadores, os sistemas de gestão (ERP) e bancos de dados. As empresas foram revolucionadas e a resposta para a absorção dessas mudanças dos consumidores pelas empresas foi chamada de reengenharia dos processos. Como hoje, eles perceberam, na época, que era necessário entregar novos valores a esse novo cliente, que agora possuía novas expectativas. Bem, o foco da reengenharia era então de redesenhar a proposta de valor e, por consequência, redesenhar os processos, visto que os processos são a sequência de atividades internas que agregam valor ao cliente. Da mesma forma acontece agora, naturalmente com a devida atualização do contexto, de época, de necessidades, de tecnologias, de novas expectativas e hábitos desses clientes, utilizando o que foi de muito positivo da reengenharia naquela época e tratando o que houve de falhas como oportunidades de melhorias. Então, surgiu novamente o conceito da reengenharia, só que atualizada, ou seja, a Reengenharia Digital.


Você está lançando um livro cujo título desperta bastante curiosidade: Inove ou Morra. Como surgiu essa ideia?

A ideia do livro surgiu das pessoas em volta; essas com quem a gente compartilhava o trabalho que estava sendo estudado e aplicado. Nós temos um forte propósito interno nos nossos negócios de melhorar o “ecossistema” local em que uma empresa está inserida, refletindo na qualidade de vida do entorno, da cidade, da região e, por que não dizer, do país. A maioria dos nossos negócios são business to business e a gente sempre trabalhou com foco em como estamos impactando localmente esses espaços. Então, mesmo resistindo inicialmente a essa ideia do livro, com o tempo foi nascendo um desejo, uma motivação pautada nesse propósito de ser relevante na sociedade através das empresas. A motivação foi crescendo até que um dia eu sonhei com um capítulo do livro e, a partir dali, acabei me dedicando quase que integralmente a esse projeto, durante alguns meses, e fiquei muito feliz com o resultado. Foi uma obra feita com muito carinho, com o intuito de ajudar empresários, executivos, profissionais de vendas, marketing e profissinais de tecnologia a descobrirem como tornar mais fluido o processo de inovação, como atualizar a empresa, porque, de fato, eu acredito que como aconteceu na década de 90, em que algumas das empresas que fizeram pouco caso da internet e da inovação tecnológica trazida pelos sistemas de gestão integrada, perderam o bonde da inovação e até fecharam as portas, é preciso que hoje as empresas estejam atentas à revolução que estamos vivendo e à necessidade de inovar. Então, o livro é uma contribuição para isso. Nele eu explico, além de como fazer Reengenharia Digital, todo esse contexto histórico, porque inovar e desmistifico algumas tecnologias, explicando de forma suave, pois a tecnologia é preponderante nesse processo e é necessário compreendê-la, ainda que minimamente. Falo como aplicar e o que deve ser feito; princípios de aplicação para que seja possível entender o porquê, o que e o como fazer para inovar.


Por fim, ao levar o leitor a esse questionamento, como o livro se propõe a auxiliá-lo na condução do seu negócio?

Primeiramente, meu objetivo é fazer despertar o interesse e a necessidade de se fazer uma mudança, de se fazer algo, de estar atento ao que está acontecendo. O livro não tem foco nas tecnologias, mas nas pessoas. O que essas pessoas demandam agora? Trazendo para uma realidade bem próxima: o que uma pessoa de 45 ou 50 anos demanda do seu negócio, visto que ela já possui hábitos digitais, como por exemplo, utilizar o home banking via celular, assistir ao Netflix, usar o Uber, talvez um assistente pessoal como siri e é assíduo nas redes sociais? Que comportamentos, demandas e expectativas essas pessoas criam das empresas como um todo? Como o seu negócio pode atender a essas expectativas de forma mais segura e rápida? Então, a ideia é criar esse senso de urgência e necessidade de estar atento a esses novos comportamentos das pessoas e direcionar o leitor quanto à forma de implementar essa mudança interna, ou seja, como eu posso adaptar e digitalizar o meu negócio para atender a essas pessoas? Que jornada factível eu tenho que seguir para fazer uma Reengenharia Digital da minha empresa?

 

  Revista Negócios
 Veja Também